A adopção e o direito à dignidade

O tema da adopção consegue sempre reacções muito apaixonadas.

Na verdade, tornado público pela  Assembleia da República o 10º Relatório sobre as crianças institucionalizadas, os dados que concitaram maior interesse foram justamente os relativos à adopção. No recente seminário sobre adopção que decorreu na Universidade Nova, organizado pela Cooperativa “Pelo Sonho é que vamos”, tomaram a palavra muitos estudiosos e investigadores, além dos técnicos das instituições de acolhimento. E fiquei contente porque os organizadores tiveram a preocupação de convidar historiadores, que falaram sobre a forma como na Europa e em Portugal eram tratadas as crianças abandonadas. Já tinha sido um progresso que nestes encontros se conseguissem reunir juristas, psicólogos e técnicos da área social, mas sempre achei que faltavam investigadores que nos dessem informação sobre o calvário dessas crianças mal-amadas, desses meninos e meninas de ninguém…

Estou convicta que só o conhecimento mais aprofundado da verdadeira história dessa “infância de pesadelo”, como dizia Lloyd De Mause, permitirá a consciencialização da importância da promoção da adopção como uma forma feliz de dar uma família a uma criança que não a possui.

E foi chocante a realidade relatada pelos investigadores: estima-se que eram aos milhares as crianças depositadas nos hospícios. Chamavam-lhes os expostos, visto que os pais tinham esse direito, de exposição. Mais tarde, com a criação da “Roda dos expostos”, há literatura que lhes chama os “meninos da roda”, e quando cresciam eram os “enjeitados”. Lembro-me de um senhor que era empregado do meu avô e de quem a minha avó dizia baixinho que era o “Zé Enjeitado”, e de um Fado que ouvia na minha infância e que falava da vida trágica e sofrida da “Rosa Enjeitada”, uma mulher que não conhecia a sua identidade. “Mas afinal desventurada, quem és tu, Rosa Enjeitada? Uma mulher que sofreu!”

Sabe-se que um terço das crianças internadas morria de fome ou de doenças. Os que sobreviviam, cresciam sem referências e sem sentimentos de pertença em asilos degradados e insalubres.

Houve no século XVIII um movimento no sentido de melhorar as condições dos hospícios.

A primeira grande instituição criada para abrigar os expostos foi em Florença e é hoje o Centro degli Innocenti, onde funciona um grande Centro de Documentação da Unicef. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é também muito antiga e desde cedo lhe foi atribuída essa missão, de albergar a infância desvalida.

No nosso País, essas crianças eram, por vezes, entregues a nobres para servirem em suas casas senhoriais. Desde que em 1867 entrou em vigor o Código do Visconde de Seabra, que discordava da adopção, até 1966, nenhuma dessas crianças podia ser adoptada. E mesmo assim, desde 1966 até à grande revisão do Código Civil de 1978, que teve lugar na sequência da aprovação da nossa Constituição da República, só podiam ser adoptados os filhos de pais incógnitos ou falecidos.

Os outros meninos, abandonados, abusados, rejeitados continuavam a não ter o direito a uma família e era-lhes reservado, quase sempre, o mesmo destino: elas, criadas de servir e eles, moços de estrebaria.

A dignidade das crianças não pode ser uma coisa abstracta e só poderá concretizar-se na busca da dignidade de cada criança e confunde-se com o seu bem-estar. Sobretudo, temos de configurar a sua dignidade no mundo dos direitos, e o direito ao afecto, indispensável para o seu desenvolvimento integral, só pode ter verdadeiramente lugar no seio de uma família.

É por tudo isto que desde há muito tempo a promoção da adopção é uma das minhas causas.

Um comentário sobre “A adopção e o direito à dignidade

  1. Dra. Dulce

    Inteiramente de acordo. O que me choca é a adopção por casais homossesuais. Não me parece que sirvam o superior interesse da criança e , a longo prazo, são causa de muita infelicidade como está estatísticamente provado em vários países (ex. Noruega) e que muito convenientemente foi esquecido
    Cumprimentos amigos
    Maria Filomena Santos

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