As alterações necessárias à Lei de Protecção

O Direito à Preservação dos laços afectivos, o Direito à Participação e a reserva de competência dos tribunais nos casos de crime de abuso sexual 

Esperava há muito por este momento. Foi aprovado na última sessão plenária da Assembleia da República um conjunto de alterações à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo que desde 2008 vinha sendo preconizado pelo Instituto de Apoio à Criança.

São alterações muito importantes e que irão decerto contribuir para uma proteção mais adequada e mais facilitadora de uma interpretação mais uniforme acerca do conceito, obviamente abstrato de “interesse superior da criança”. Estou a falar do reforço do Direito da Criança a ser ouvida e da consagração expressa do Direito à preservação das suas ligações psicológicas profundas.

A Convenção sobre os Direitos da Criança veio introduzir um novo olhar de valorização da Criança, como verdadeiro sujeito de direito…

O princípio fundamental a ter em conta é o do “interesse superior da criança”, mas sendo abstrato por natureza, precisamos de buscar nos direitos os instrumentos adequados a uma interpretação que não desvirtue o conceito e não o transforme numa expressão vazia.

Há Direitos Universais, que são incontestáveis, como o Direito à Integridade Pessoal e à Dignidade. A Convenção veio enunciá-los todos, desde os mais antigos e incontornáveis aos mais inovadores e veio acentuar uma série deles que ainda se mostram deficitários, como o Direito à Educação, pois que é sabido dele serem privadas milhões de meninas por esse mundo fora. Mas, sobretudo veio dar uma nova dimensão a outros, como o Direito à Palavra, que passou a ser insuficiente, e introduzir novos Direitos, como o Direito à recuperação psicológica, por exemplo. Daí que o Direito da Criança à não violência seja praticamente unânime, embora saibamos que nos Países que vivem em Ditadura ou onde grassam conflitos armados as crianças são as principais vítimas de violência, enquanto o Direito de Participação continua a ser muito difícil de concretizar. Ou seja, há um abismo entre o Direito aprovado e ratificado e a prática, não obstante seja importante que os Direitos sejam proclamados porque assim servirão sempre de bandeira e podem ser invocados judicialmente.

Por outro lado, há direitos que são consequência dos progressos científicos actuais e que vão evoluindo de acordo com a aquisição do conhecimento. As leis não podem ser indiferentes aos saberes. Temos responsabilidades no sentido de fazer com que os conhecimentos científicos sejam absorvidos na lei. Primeiro, tentamos que ela responda, através da chamada  interpretação actualista, mas quando esta não é suficiente, temos de operar uma alteração legislativa que satisfaça as exigências que decorrem dessas novas aquisições da ciência. Todas as evidências científicas sobre a vinculação precoce deverão portanto influenciar o Direito. E aqui surge não só o Direito ao afeto, mas outro com ele relacionado que é o Direito à preservação das relações afetivas profundas e que resulta da observação dos danos psíquicos verificados quando há ruturas nos laços afetivos de grande significado e estruturantes para a criança. É hoje aceite que as descontinuidades provocam sérios prejuízos ao desenvolvimento saudável da criança, afectando a sua estabilidade emocional.

Recentemente, passou um vídeo nas redes sociais sobre uma criança em constante mudança. Vítima de violência doméstica, foi juntamente com o irmão mais novo, retirada aos pais e passou por múltiplas famílias de acolhimento. A criança parece ter compreendido ter sido separada dos pais, mas jamais aceitou ter sido separada do irmão. A angústia da rutura das relações afetivas fortíssimas que mantinha com o seu irmão é patente. A revolta da criança é inquietante e só volta a sorrir quando uma mãe de acolhimento se apercebe da causa de tanta tristeza e encontra a solução para pôr fim à devastação da criança, trazendo para junto dela o irmão que protegera e que era afinal a sua mais profunda referência afetiva.

Estou, pois convicta que esta alteração, reconhecendo o Direito da Criança a ver respeitadas as suas ligações psicológicas profundas terá consequências muito positivas na proteção das crianças.

Como já referi, entre os novos Direitos, o Direito à Participação tem sido difícil de concretizar, porquanto a sua estatuição não veio conferir apenas maior relevância à audição da Criança, mas dar-lhe outra natureza. Agora não basta ouvi-la. Ela tem o direito de participar. Ou seja,   nos processos que lhe digam respeito, creio que ela terá direito a pronunciar-se, esclarecendo os seus sentimentos, os seus anseios, sugerindo soluções. E ao participar, tem o direito de influenciar a decisão.

Em meu entender, quer o reforço do Direito a ser ouvida, quer o respeito pelo Direito à preservação das ligações psicológicas profundas são afinal o corolário do abandono da concepção antiga da criança-objecto e correspondem à perspectiva nova da Criança-sujeito.

Estas alterações contribuem para a necessária substituição do velho conceito de menor- incapaz pelo novo conceito de Criança capaz de expressar-se, criança com capacidade de participar, de mostrar o que sente e o que deseja, criança que merece um novo estatuto valorizado, que merece ver a sua palavra, os seus afectos, os seus sentimentos e a sua vontade respeitados neste mundo que proclama como esperança e futuro da humanidade, mas não tem sabido cuidar dela no presente.

Por tudo isto, considero também muito relevante a alteração que consiste em consagrar a reserva de competência dos Tribunais em caso de indícios da prática de abuso sexual por quem teria legitimidade para apresentar queixa-criminal. Ou seja, no caso de abuso sexual em que o suspeito seja o pai da criança. Sempre defendi que este era um caso especial que merecia ser apreciado pelo Tribunal, visto que neste caso não deveria sequer colocar-se a questão da prestação de consentimento para a intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens. A mesma razão que presidiu à atribuição de natureza pública a este crime logo em 2001, deveria fundamentar esta alteração. A criança vítima de violência sexual intra-familiar tem de ter a garantia de que o Estado lhe dá a segurança e a protecção que lhe faltou dentro de casa. Esta norma agora introduzida vem ajudar. Fiquei, portanto, satisfeita. Finalmente!

Comentários sobre “As alterações necessárias à Lei de Protecção

  1. É quando a denúncia for falsa, cujo objetivo é privar o outro progenitor (denunciado) dos contactos com a criança?

    Será esse um processo urgente? Quais as consequências para o denunciante? Será desculpa para o denunciante escudar-se na mera informação prestada “supostamente” pela criança quando não existem sequer vestígios periciais de tais abusos?

    E o tempo de privação, quem o paga? O Estado ou o Denunciante? E quanto?

    Quem é responsável quando os Tribunais adotam comportamentos passivos no que concerne a interesses subjectivos das EMAT e CPCJ, cujos técnicos adotam comportamentos violadores dos mais elementares direitos da reserva da vida privada, passando pelas ameaças e coacção e cujos tribunais subscrevem por baixo qualquer informação prestada por aqueles, sendo algumas manifestamente tendenciosas.

    Será esse um modelo adequado?

    Salvo melhor opinião, mas devia acabar-se de uma vez por todas com os processos de jurisdição voluntária, e com o carácter reservado dos processos, pois já mais o cidadão poderá exercer em concreto o seu direito ao contraditório, ficando sujeito a uma justiça arbitrária num processo inquisitória, visto nunca ser notificado das informações prestadas pelas partes, a não ser que passe dias a fio nas secretarias dos tribunais a consultar um processo de onde não pode extrair qualquer certidão.

    A justiça só funcionará quando as CPCJ e EMAT forem erradicadas, sob pena de fazermos das crianças um negócio privado lucrativo onde aquele que puder pagar terá relatórios favoráveis.

    Responder

  2. E quando uma criança é sistemática e violentamente agredida em espaço escolar, chegando a ir parar ao hospital por duas vezes e a escola teima em fingir que não se passa nada, e os pais se vêm obrigados a mexer-se, ao ponto da inspeção do Ministério da Educação intervir para acabar com a violência e que, por isso, começam a chover denúncias anónimas à CPCJ e MP alegando que a mãe da vítima sofre de muitas doenças mentais e inventou tudo, entre outras coisas (e porque é de facto bipolar, embora acompanhada há 20 anos e levar uma vida normal), é condenada por agredir psicologicamente o menor, sem nunca ter tido o direito de exibir as provas (cerca de 3 dezenas) de que não está nem maluca, nem está a mentir? Em que ficamos? A pessoa que protege a integridade física da criança incorre em que crime? E a escola? Não incorreu no crime de negligenciar a integridade física e psíquica da criança? Os da nos provocados ao meu Filho por tudo o que ele sofreu e continua a sofrer ao ver a mãe a sofrer, forçada à entrega de relatórios psiquiátricos periódicos (cujo médico não concorda, e só passa para não me prejudicar ainda mais, embora restrinja o conteúdo ao estritamente essencial, dado eu não ser, nem criminosa, nem estar na eminência de cometer um crime), como se fosse uma criminosa? (Não é isto crime de descriminação? Não temos direito a provar o que dizemos? Somos condenados sem ser ouvidos?) As somas avultadas de dinheiro que já pedi à minha família para cobrir toda uma série de despesas inerentes à tentativa vã de nos protegermos desta vilania, ou seja, menos comida que entra na minha mesa, quem nos vai compensar? Nos relatórios sociais da emat proferem-se afirmações falsas, pelo que usei do direito de repor a minha versão, esta não foi aceite por eu não ter provas, segundo se escreveu na sentença. Ai não? Como sabem? Fui operada à coluna, tenho um colchão na sala de estar para evitar estar sentada e para poder estar mais tempo com o miúdo e Marido, afirmaram que a sala está a fazer de meu quarto. Não é verdade, mas ao que parece, as senhoras da emat possuem provas de que é quarto, mas eu não! Eu sou Mestre, mas ao que parece não tenho certificado que o comprove! Entre muitas outras coisas. Não tenho direito a um julgamento justo?

    Afirma-se que este Acordo de Proteção está a ser feito com acompanhamento pedagógico. Durante os primeiro seis meses, não soube da existência de ninguém, só apareceram findo o tempo para me pedir relatórios, e para me entrevistarem, não sei para quê, bastava escreverem o que entendessem, daria no mesmo e poupava-me a deslocação e as portagens. Se estão a receber ordenado para prestar apoio pedagógico, não prestam este serviço.

    À laia de conclusão, este douto acordo de proteção de menor, está a ter um efeito comprovadamente nefasto para o menor em causa. O meu Filho está a ser monitorizado em pedopsiquiatria e em psicologia que, tendo atestado os danos psíquicos provocados pelas agressões sofridas na escola e pelas infligidas à família estão a trabalhar no sentido de os minorar. A verdade é quer a cpcj, quer a emat fizeram um bom trabalho: se o objetivo era dar cabo da vida de uma família, estão quase a conseguir. Ainda por cima uma família que se prezava de ser tão harmónica e feliz!

    Vergonhoso, digo eu. A Pj já comunicou ao MP distritar, levantando a hipótese de um hipotético crime de abuso de poder. Ainda acabamos todos presos pelo crime da proteção do menor!

    Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.