Os abusos sexuais de criança e a nova/velha tese do trato sucessivo

Nos últimos dias têm sido tantas as notícias acerca de crimes sexuais, que não quero deixar de contribuir para que estes sejam temas onde o pensamento crítico permita uma discussão séria, porque por vezes as afirmações são tão incisivas que até parece que todos temos de pensar igual. Já vivi nesse tempo e definitivamente não gostei do pensamento único, de tal forma que me envolvi com apenas 18 anos na luta pela Liberdade e pela Justiça.

Isto foi só um pequeno preâmbulo, porquanto esta matéria dos abusos sexuais de crianças era tratada no início do milénio de uma forma tão superficial, que considerava um verdadeiro escândalo, pois havia uma ausência de conhecimento bastante chocante, devido em muito ao silêncio que a rodeava e aos até então tímidos estudos que se faziam. Os inquéritos de vitimação davam nessa altura os primeiros passos e Lloyd De Mause escrevera a sua História de Infância há poucos anos…

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A Violência sobre as mulheres e as crianças e o Direito Penal

Lembro-me de um 8 de Março, em que a Prof. Teresa Beleza se referiu daquela forma que só ela sabe, ao facto de o Direito Penal ainda não censurar adequadamente as violações à integridade física, salientando que a Constituição da República havia declarado a sua inviolabilidade logo no artigo seguinte àquele que estatuía que a vida humana é inviolável. Apesar disso, os direitos patrimoniais pareciam ser mais protegidos pela lei criminal, na medida em que a burla ou o furto mereciam penas bastante mais pesadas.

Na altura, creio que estávamos em 1996, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas estava muitíssimo empenhada em contribuir para a Revisão Constitucional que haveria de dar lugar à Lei Constitucional nº 1/97. E, na verdade, em Abril de 1996, por ocasião dos vinte anos da Lei Fundamental, apresentámos um conjunto de propostas de alteração à Constituição, num documento histórico que propunha entre outras coisas, a consagração da promoção da igualdade entre homens e mulheres como tarefa fundamental do Estado, a conciliação entre a vida familiar e a atividade profissional como um direito económico-social, e talvez o feito mais emblemático de todos, que se consubstanciou na alteração ao artº 109º que ficou com uma redação de que ainda hoje nos orgulhamos imenso:

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“O projeto que mais nos orgulhamos são sempre os filhos”

2ª Parte da Entrevista publicada no Diário de Notícias, dia 2 de Setembro de 2017, por Céu Neves

Os tribunais pintaram-lhe um quadro menos cor de rosa da realidade, ponde de lado a ideia romântica com que tinha saído da Faculdade de Direito, em Lisboa. Sobretudo quando confrontada com casos de violência doméstica e de abusos sexuais de crianças. Concluiu que estes fenómenos são mais graves do que se possa pensar e pede aos adultos que acreditem nas crianças e tenham em conta as suas opiniões. Entre a magistratura, os projetos que fundou e os cargos que teve, o filho joão será sempre o seu melhor projeto.

Presidir ao Instituto de Apoio à Criança acaba por ser uma consequência natural do fez até aqui.

Sim, quer dizer, tive que ser convidada, fui convidada pela Dra. Manuel Eanes [então presidente do IAC], já eu estava no Tribunal de Família e Menores. Coordenei a comissão que elaborou o relatório para a ONU sobre a aplicação da Convenção dos Direitos das Crianças em Portugal e, uma das minhas preocupações foi incluir organizações não governamentais (ONG”s)e, mais uma vez, aparece o IAC, portanto a minha vida esteve sempre ligada ao Instituto. Regressei ao tribunal de menores depois de terminarmos o relatório e fui convidada pelo Dr. Bagão Félix para fazer parte do Comité Técnico Científico da Casa Pia e, mais tarde para presidir à Comissão Nacional de Proteção das Crianças e Jovens em Risco.

Refere nomes que se repetem ao longo dos anos na abordamos destes temas, significa que pouca gente se interessa por eles?

A área dos direitos da criança é cada vez mais de prestígio mas durante muito tempo não foi. Hoje é reconhecida a sua importância e o relevo de envolver pessoas com capacidade e ideias, que reflitam sobre as matérias. Não basta saber a lei, é preciso analisá-la, ver se é bem aplicada e como a podemos melhorar.

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“Os magistrados podem fazer a diferença, não é verdade que sozinhos não podemos fazer nada”

1ª Parte da Entrevista publicada no Diário de Notícias, dia 2 de Setembro de 2017, por Céu Neves

É desde janeiro presidente do Instituto de Apoio à Criança, o culminar de uma vida profissional e cívica em defesa das crianças. Magistrada do Ministério Público, Dulce Rocha sente-se advogada dos pobres.

Foi no Tribunal Judicial de Setúbal que percebeu a dimensão de fragilidade de muitas crianças, nos anos 80 do século passado, quando o distrito sofria uma dura crise económica. Percebeu, também, que os direitos das crianças e das mulheres fazem muitas vezes parte do mesmo problema. Exerce funções no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, mas é nas instalações do IAC que prefere fazer esta entrevista.

Porque é que escolheu a magistratura em vez da advocacia?

Sabe que as pessoas têm sempre o desejo de ir para uma coisa nova e, quando era estudante de Direito, esta era uma profissão que estava vedada às mulheres. Com o 25 de abril, quando se abriu a possibilidade ingressarmos na magistratura, apareceu imediatamente essa hipótese no meu espírito. E também teve a ver com as matérias que gostava. A advocacia geralmente era identificada com os grandes negócios, mais com o civil, com o comercial, e os meus gostos eram mais pelo penal.

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As alterações necessárias à Lei de Protecção

O Direito à Preservação dos laços afectivos, o Direito à Participação e a reserva de competência dos tribunais nos casos de crime de abuso sexual 

Esperava há muito por este momento. Foi aprovado na última sessão plenária da Assembleia da República um conjunto de alterações à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo que desde 2008 vinha sendo preconizado pelo Instituto de Apoio à Criança.

São alterações muito importantes e que irão decerto contribuir para uma proteção mais adequada e mais facilitadora de uma interpretação mais uniforme acerca do conceito, obviamente abstrato de “interesse superior da criança”. Estou a falar do reforço do Direito da Criança a ser ouvida e da consagração expressa do Direito à preservação das suas ligações psicológicas profundas.

A Convenção sobre os Direitos da Criança veio introduzir um novo olhar de valorização da Criança, como verdadeiro sujeito de direito…

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O Direito à não violência e o conhecimento científico

O ano de 2014 foi apontado pelo Director Executivo da Unicef, Antony Lake,  como devastador para as crianças.

E à nossa memória chegam as notícias da Guerra sangrenta na Síria, dos massacres no Norte do Iraque, dos raptos das meninas no Norte da Nigéria, e logo nos vêm à mente as imagens das escolas bombardeadas na Síria e em Gaza, dos conflitos armados no Sudão do Sul, do ataque a Peshawar, em Dezembro, onde morreram mais de 140 crianças, as populações dizimadas pelo Ébola na Serra-Leoa, na Libéria e na Guiné, e sempre as crianças escravizadas nas Repúblicas Centro-Africana e “Democrática” do Congo.

Queria tanto que não tivesse sido assim… 2014 deveria ter sido apenas o ano do 25º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança, o ano em que pela primeira vez, o Prémio Nobel da Paz foi atribuído a uma jovem com menos de dezoito anos, em que a Ordem dos Advogados premiou uma lutadora incansável que defende as mulheres e as crianças e em que o Instituto de Apoio à Criança foi agraciado com o Prémio dos Direitos Humanos pela Assembleia da República…

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Malala e a liberdade de pensamento

Creio que o ano de 2014 precisava desta alegria para que a comemoração dos 25 anos da Convenção ficasse marcada também por um acontecimento positivo.

O Prémio Nobel atribuído à jovem Malala, na véspera do Dia que a ONU decidiu dedicar às meninas e às raparigas deixou-nos uma enorme satisfação, mas agora é importante uma reflexão sobre o significado deste reconhecimento para que o nosso contentamento possa desenvolver-se em ações concretas.

Na verdade, Malala tornou-se um símbolo da luta pelo Direito à Igualdade das crianças, em particular no que respeita ao exercício do Direito à Educação, chamando a atenção do mundo para a dimensão dos números. A grande maioria dos 125 milhões de crianças a quem é negado o direito de frequentarem a escola são do sexo feminino….

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“A Exploração Sexual de Crianças no Ciberespaço”

É uma honra ter sido convidada para dizer umas palavras nesta sessão.

Primeiro porque o Sr. Procurador Manuel Magriço é um amigo especial, que considero ter sido um privilégio conhecer, pelas suas qualidades humanas, pelos laços que construímos durante o período em que estagiou comigo no Tribunal de Família e Menores de Lisboa e pelo rigor e profissionalismo que coloca em tudo quanto faz, e depois porque este livro também surge num momento especial.

Este ano, a Convenção sobre os Direitos da Criança completa 25 anos e creio que todas as iniciativas que possam integrar-se na comemoração deste instrumento legal que tanto tem contribuído para a promoção dos Direitos da Criança são particularmente bem-vindas….

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Oportunidades na Crise ?

Em primeiro lugar, quero agradecer o convite que me foi dirigido para participar nestas jornadas de Pediatria Social.

Felicito a organização pela oportunidade dos temas escolhidos e quero também dizer-vos que foi um prazer ter encontrado tantos amigos que há tanto tempo percorrem como eu o caminho da promoção dos Direitos da Criança. E por fim, quero dizer-vos também que neste ano em que celebramos a Convenção sobre os Direitos da Criança pelos seus 25 anos, estar aqui na companhia de pessoas que dedicam a sua actividade à causa da defesa da criança e cujo trabalho é reconhecido pelos métodos inovadores que utilizam, é muito gratificante.

Já alguns palestrantes assinalaram que cada vez mais e hoje é praticamente pacífico que a saúde não pode ser apenas a ausência de doença. A saúde compreende não apenas o bem-estar físico, como também o psíquico, que pressupõe a realização de múltiplos direitos, designadamente sociais, económicos e culturais…

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Recordando…

Encontrei este texto há dias, quando procurava um outro, que ainda não achei.

Mas fiquei muito satisfeita, porque apesar de já terem passado quase onze anos, continuam actuais muitas das afirmações que aí fiz, acerca das múltiplas qualidades que reconheço na Professora Doutora Clara Sottomayor.

Decidi, por isso, publicá-lo, tanto mais que o seu novo livro Temas de Direito das Crianças, mais uma vez vem demonstrar os seus profundos conhecimentos e a sua sensibilidade tão necessária para decidir matérias tão delicadas.

Fui de novo contemplada com o honroso convite para fazer o Prefácio desta nova obra, o que me encheu de orgulho….

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