Guarda alternada

Contra a presunção, porque não é a melhor opção

Celebrou-se há dias, o Dia Internacional da Família e ando tão preocupada com a petição que preconiza a guarda alternada como regime supletivo e que está na Assembleia da República, que decidi escrever sobre algumas coisas que fui aprendendo estudando e sobre outras que a minha experiência nos Tribunais me ensinou.

É que a realidade foi-se impondo no sentido de contrariar aquela expressão que ainda ouço por vezes no sentido de que todas as famílias são boas.  Ideias românticas e fantasiosas que só prejudicam as vítimas de violência doméstica e de abusos sexuais intrafamiliares, pois que têm de lutar contra o muro de silêncio que elas próprias constroem por terem medo e vergonha de contar, e por outro lado têm toda uma sociedade preconceituosa que começa por desacreditar os seus depoimentos e quando decide que, enfim, não pode desmentir os factos, menoriza-os e desvaloriza o sofrimento das vítimas, sendo muitíssimas vezes indiferente por exemplo, à sua vontade e ao seu consentimento…

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Os abusos sexuais de criança e a nova/velha tese do trato sucessivo

Nos últimos dias têm sido tantas as notícias acerca de crimes sexuais, que não quero deixar de contribuir para que estes sejam temas onde o pensamento crítico permita uma discussão séria, porque por vezes as afirmações são tão incisivas que até parece que todos temos de pensar igual. Já vivi nesse tempo e definitivamente não gostei do pensamento único, de tal forma que me envolvi com apenas 18 anos na luta pela Liberdade e pela Justiça.

Isto foi só um pequeno preâmbulo, porquanto esta matéria dos abusos sexuais de crianças era tratada no início do milénio de uma forma tão superficial, que considerava um verdadeiro escândalo, pois havia uma ausência de conhecimento bastante chocante, devido em muito ao silêncio que a rodeava e aos até então tímidos estudos que se faziam. Os inquéritos de vitimação davam nessa altura os primeiros passos e Lloyd De Mause escrevera a sua História de Infância há poucos anos…

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A Violência sobre as mulheres e as crianças e o Direito Penal

Lembro-me de um 8 de Março, em que a Prof. Teresa Beleza se referiu daquela forma que só ela sabe, ao facto de o Direito Penal ainda não censurar adequadamente as violações à integridade física, salientando que a Constituição da República havia declarado a sua inviolabilidade logo no artigo seguinte àquele que estatuía que a vida humana é inviolável. Apesar disso, os direitos patrimoniais pareciam ser mais protegidos pela lei criminal, na medida em que a burla ou o furto mereciam penas bastante mais pesadas.

Na altura, creio que estávamos em 1996, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas estava muitíssimo empenhada em contribuir para a Revisão Constitucional que haveria de dar lugar à Lei Constitucional nº 1/97. E, na verdade, em Abril de 1996, por ocasião dos vinte anos da Lei Fundamental, apresentámos um conjunto de propostas de alteração à Constituição, num documento histórico que propunha entre outras coisas, a consagração da promoção da igualdade entre homens e mulheres como tarefa fundamental do Estado, a conciliação entre a vida familiar e a atividade profissional como um direito económico-social, e talvez o feito mais emblemático de todos, que se consubstanciou na alteração ao artº 109º que ficou com uma redação de que ainda hoje nos orgulhamos imenso:

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As alterações necessárias à Lei de Protecção

O Direito à Preservação dos laços afectivos, o Direito à Participação e a reserva de competência dos tribunais nos casos de crime de abuso sexual 

Esperava há muito por este momento. Foi aprovado na última sessão plenária da Assembleia da República um conjunto de alterações à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo que desde 2008 vinha sendo preconizado pelo Instituto de Apoio à Criança.

São alterações muito importantes e que irão decerto contribuir para uma proteção mais adequada e mais facilitadora de uma interpretação mais uniforme acerca do conceito, obviamente abstrato de “interesse superior da criança”. Estou a falar do reforço do Direito da Criança a ser ouvida e da consagração expressa do Direito à preservação das suas ligações psicológicas profundas.

A Convenção sobre os Direitos da Criança veio introduzir um novo olhar de valorização da Criança, como verdadeiro sujeito de direito…

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O Direito à não violência e o conhecimento científico

O ano de 2014 foi apontado pelo Director Executivo da Unicef, Antony Lake,  como devastador para as crianças.

E à nossa memória chegam as notícias da Guerra sangrenta na Síria, dos massacres no Norte do Iraque, dos raptos das meninas no Norte da Nigéria, e logo nos vêm à mente as imagens das escolas bombardeadas na Síria e em Gaza, dos conflitos armados no Sudão do Sul, do ataque a Peshawar, em Dezembro, onde morreram mais de 140 crianças, as populações dizimadas pelo Ébola na Serra-Leoa, na Libéria e na Guiné, e sempre as crianças escravizadas nas Repúblicas Centro-Africana e “Democrática” do Congo.

Queria tanto que não tivesse sido assim… 2014 deveria ter sido apenas o ano do 25º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança, o ano em que pela primeira vez, o Prémio Nobel da Paz foi atribuído a uma jovem com menos de dezoito anos, em que a Ordem dos Advogados premiou uma lutadora incansável que defende as mulheres e as crianças e em que o Instituto de Apoio à Criança foi agraciado com o Prémio dos Direitos Humanos pela Assembleia da República…

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Malala e a liberdade de pensamento

Creio que o ano de 2014 precisava desta alegria para que a comemoração dos 25 anos da Convenção ficasse marcada também por um acontecimento positivo.

O Prémio Nobel atribuído à jovem Malala, na véspera do Dia que a ONU decidiu dedicar às meninas e às raparigas deixou-nos uma enorme satisfação, mas agora é importante uma reflexão sobre o significado deste reconhecimento para que o nosso contentamento possa desenvolver-se em ações concretas.

Na verdade, Malala tornou-se um símbolo da luta pelo Direito à Igualdade das crianças, em particular no que respeita ao exercício do Direito à Educação, chamando a atenção do mundo para a dimensão dos números. A grande maioria dos 125 milhões de crianças a quem é negado o direito de frequentarem a escola são do sexo feminino….

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“A Exploração Sexual de Crianças no Ciberespaço”

É uma honra ter sido convidada para dizer umas palavras nesta sessão.

Primeiro porque o Sr. Procurador Manuel Magriço é um amigo especial, que considero ter sido um privilégio conhecer, pelas suas qualidades humanas, pelos laços que construímos durante o período em que estagiou comigo no Tribunal de Família e Menores de Lisboa e pelo rigor e profissionalismo que coloca em tudo quanto faz, e depois porque este livro também surge num momento especial.

Este ano, a Convenção sobre os Direitos da Criança completa 25 anos e creio que todas as iniciativas que possam integrar-se na comemoração deste instrumento legal que tanto tem contribuído para a promoção dos Direitos da Criança são particularmente bem-vindas….

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Oportunidades na Crise ?

Em primeiro lugar, quero agradecer o convite que me foi dirigido para participar nestas jornadas de Pediatria Social.

Felicito a organização pela oportunidade dos temas escolhidos e quero também dizer-vos que foi um prazer ter encontrado tantos amigos que há tanto tempo percorrem como eu o caminho da promoção dos Direitos da Criança. E por fim, quero dizer-vos também que neste ano em que celebramos a Convenção sobre os Direitos da Criança pelos seus 25 anos, estar aqui na companhia de pessoas que dedicam a sua actividade à causa da defesa da criança e cujo trabalho é reconhecido pelos métodos inovadores que utilizam, é muito gratificante.

Já alguns palestrantes assinalaram que cada vez mais e hoje é praticamente pacífico que a saúde não pode ser apenas a ausência de doença. A saúde compreende não apenas o bem-estar físico, como também o psíquico, que pressupõe a realização de múltiplos direitos, designadamente sociais, económicos e culturais…

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Recordando…

Encontrei este texto há dias, quando procurava um outro, que ainda não achei.

Mas fiquei muito satisfeita, porque apesar de já terem passado quase onze anos, continuam actuais muitas das afirmações que aí fiz, acerca das múltiplas qualidades que reconheço na Professora Doutora Clara Sottomayor.

Decidi, por isso, publicá-lo, tanto mais que o seu novo livro Temas de Direito das Crianças, mais uma vez vem demonstrar os seus profundos conhecimentos e a sua sensibilidade tão necessária para decidir matérias tão delicadas.

Fui de novo contemplada com o honroso convite para fazer o Prefácio desta nova obra, o que me encheu de orgulho….

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A adopção e a co-adopção como direito da criança

Achei que poderia justificar-se a publicação do texto que preparei para intervir na Escola de Direito da Universidade do Minho no passado dia 30 de Maio.

Foi uma honra para mim estar de novo na Universidade do Minho e sinto-me privilegiada por ter sido convidada para falar numa conferência organizada pelo Centro Interdisciplinar em Direitos Humanos a que preside o Prof. Pedro Bacelar de Vasconcelos, por quem tenho uma profunda admiração.

Também felicito a Prof. Cristina Dias pela organização e pelo cuidado constante. Obrigada a ambos! O tema é apaixonante, como tudo o que respeita à adopção.

Achei que numa Faculdade de Direito, a audiência já saberia, ou estaria em condições de saber o que diz a lei, pelo que numa matéria, que continua a emocionar e que será sempre geradora de polémica, enquanto houver humanidade, pensei ser melhor falar de casos e de outros aspectos menos mencionados. Neste assunto da adopção, estou convicta que não haverá tão cedo unanimidade,  porque embora haja sempre quem diga que há coisas indiscutíveis, haverá outros que não se conformam e decidem discuti-las…

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