Maio – Dia das Crianças Desaparecidas

Escrevi há poucos dias  um artigo para a “Visão solidária” sobre esta violência tão devastadora, mas fico sempre com uma sensação de não ter dito tudo por causa do espaço…

Por isso decidi retomar aqui o tema… tanto mais que tenho reparado que não é a primeira vez que, ao aproximar-se o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas, assinalado em 25 de Maio, somos confrontados com notícias sobre crianças desaparecidas, ou então sobre adultos que aparecem após muito tempo sem ser conhecido o seu paradeiro. Cresceram sem infância, ou veio a saber-se que lhes foi tirada a vida. Lembrar-se-ão que, no ano passado, por esta altura, foi finalmente acusado o indivíduo que decorridos mais de trinta anos veio a confessar ter raptado e assassinado Ethan Patz, o menino que desapareceu em Manhattan em 1979, em 25 de Maio. Daí a escolha desse Dia para a nível internacional todas as atenções se dirigirem para a Criança Desaparecida. Ethan tinha seis anos e a profunda angústia dos pais pelo seu desaparecimento motivaram uma onda de solidariedade e revolta, semelhante àquela que viria a verificar-se com o Desaparecimento do Rui Pedro em Portugal ou com o caso de Julie e Melissa, na Bélgica…

Madeleine McCann também desapareceu em Maio, como recordarão.

Como referi no artigo publicado na Visão Solidária, certo é que por esta altura, quase invariavelmente, somos sobressaltados com “notícias aterradoras sobre mulheres sequestradas durante anos, por vezes, décadas, em lugares esconsos, transformados em verdadeiras câmaras de tortura, para onde, ainda meninas, foram atiradas por agressores de mentes perversas”.

Há dias, em Cleveland, foram restituídas à liberdade três mulheres, raptadas há dez anos e uma criança, nascida em cativeiro.

Mas todos se lembrarão do caso de Natasha Kampush, cujo pesadelo de ter estado oito anos sequestrada nos indignou imenso.

Dois anos depois, em 2008, soubemos das crueldades infligidas pelo pai Joseph Fritzl a Elisabeth, desde os seus onze anos e que esteve fechada numa cave durante mais de vinte anos, numa pequena cidade da Áustria. Elisabeth sofreu atrocidades, foi repetidamente violada e teve sete filhos, um dos quais veio a falecer. Três dos seus filhos viveram encarcerados sempre desde o nascimento, sem ver a luz do dia, sendo o seu sofrimento difícil de imaginar.

Os outros três, viveram com a avó e com o pai, que os adoptou, dizendo à mulher que eram filhos de Elisabeth que os tinha abandonado. Os agressores sexuais como não sentem qualquer empatia e não têm quaisquer escrúpulos, costumam denegrir as vítimas, imputando-lhes atitudes que só eles são capazes de ter. Quando a levou para a cave, em 1984, disse à  mulher que ela havia fugido e que estava a viver com uma seita, tendo-a obrigado a escrever uma carta com essa versão para que não fosse procurada.

Foi muito por causa destas perversidades, que as menções nos Registos Criminais foram prolongados no tempo, por forma a impedir que aos condenados por abuso sexual, como era o caso de Fritzl, que já tinha sido condenado por violações cometidas em 1967, fosse permitido adoptar por entretanto, pelo mero decurso do tempo, terem deixado de constar as menções da condenação das agressões sexuais no Registo Criminal.

Houve um abalo na Europa, nessa altura, e foram propostas alterações. Lamentavelmente, soubemos ontem que, a alteração legislativa sobre a maior duração do registo criminal e para a qual o Instituto de Apoio à Criança pediu a maior urgência na altura, não está a ser eficaz, pois foi nomeado recentemente pelo Ministério da Educação para Director de Agrupamento um indivíduo  já condenado por abuso sexual.

Tudo se reconduz ainda a uma desvalorização óbvia deste tipo de crimes, desconsiderando-se simultaneamente o profundo sofrimento das vítimas.

As vítimas contam sempre horrores tão chocantes que temos quase sempre como primeira reacção pensar que são situações desumanas e que por isso são raras.

Mas a vida tem demonstrado que são bem mais frequentes do que durante muito tempo pensámos. E são torturas tão cruéis que sinto ter o dever de não deixar esquecidas estas vítimas, porque são muitas mais do que imaginamos.

Li há mais de dez anos um Livro que comprei em França, de Nathalie Schweighoffer sobre as violações perpetradas por seu pai. Chamava-se “J’avais douze ans”. Creio que nunca foi publicado em Portugal. É um testemunho extraordinário, pungente, que revela bem a devastação provocada nestas vítimas.

Michelle Knight, por exemplo, disse que engravidou cinco vezes e que o agressor, logo que descobria, a deixava sem comer por quinze dias e que depois a espancava até abortar.

O livro de Sabine Dardenne, uma das sobreviventes do pedófilo homicida Marc Dutroux, que a raptou aos doze anos, em 28 de maio de 1996, impressionou-me muito também porque, sem querer revelar os pormenores mais sórdidos, que considera dever manter na sua privacidade,  relata com muita precisão o terror que sentiu diariamente durante os oitenta dias do seu sequestro.

Jaycee Dugard, que viveu encarcerada durante dezoito anos, também escreveu recentemente um livro a que deu o nome de “Uma vida roubada”.

Na semana passada foi accionado na Holanda o sistema “Alerta Rapto”. Dois irmãos, um com nove e o outro com sete anos, estão desaparecidos desde o dia 6 de maio. Foram vistos a última vez com o pai, que foi encontrado morto e pensa-se que se suicidou.

É por causa destas crianças, a quem não foi, não é, permitido viver a infância ou a adolescência, que o Instituto de Apoio à Criança vem assinalando todos os anos o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas e Exploradas Sexualmente, com o objectivo de sensibilizar a comunidade para esta tragédia, para que todos estejamos mais atentos, mais alerta e para que todas as crianças possam viver a sua infância de uma forma despreocupada, tranquila e feliz.

No próximo dia 24 de Maio (porque este ano o dia 25 é Sábado), mais uma vez no Auditório Novo da Assembleia da República, o IAC levará a efeito a VII Conferência sobre Crianças Desaparecidas.

No ano passado, centrámo-nos na análise da Nova Directiva Europeia, que deverá ser transposta para a nossa ordem jurídica o mais depressa possível. É um instrumento importante que se fundamenta no reconhecimento de que estes crimes têm uma natureza específica e que por isso requerem também medidas específicas, na medida em que tem sido observada uma elevadíssima reincidência.

Preconiza-se uma avaliação periódica da perigosidade, necessária para prevenir aquela reincidência. Já há experiências nesse sentido noutros Países, que além da pena, face ao específico comportamento, de natureza compulsiva que acompanha muitas vezes a prática destes crimes, aplicam medidas de segurança. No nosso País, insiste-se na dicotomia entre imputável e inimputável, quando neste caso, ela se mostra ineficaz, visto que os agressores não são influenciáveis pelas penas e têm inteira consciência da ilicitude dos seus actos.

Este ano, procuraremos reflectir sobre os desafios que teremos de abraçar e que decorrem da entrada em vigor da Convenção do Conselho da Europa para a protecção das Crianças contra a exploração sexual e os abusos sexuais (Convenção de Lanzarote) e mais uma vez queremos falar da especificidade deste tipo de crimes. A necessidade de transpor para a nossa legislação criminal algumas dessas medidas é muito relevante com vista a uma mais eficaz protecção das vítimas.  A Drª Maria Belém irá fazer uma palestra sobre a Convenção de Lanzarote e a Campanha do Conselho da Europa “Uma em Cinco”, que faz referência ao número significativo de crianças abusadas sexualmente na Europa.

O Instituto da Criança integra a Missing Children Europe, a Federação Europeia das Crianças Desaparecidas e Exploradas Sexualmente, criada na sequência dos casos de rapto e homicídio perpetrados por Marc Dutroux e que abalaram a Bélgica no final dos anos noventa.

Esta Federação, com o apoio da Comissão Europeia, conseguiu já que no espaço comunitário se criasse um número único 116000, dirigido a situações de desaparecimento e exploração sexual e esteve na linha da frente pela aprovação da já citada Directiva de 2011 sobre a Protecção das Crianças contra os Abusos Sexuais.

Pretende-se agora sobretudo que se efective a cooperação entre as autoridades e a sociedade civil, como se preconiza nas directivas comunitárias sobre a matéria, desde logo criando mecanismos de comunicação que tornem a informação sobre desaparecimento de crianças eficiente, partilhando-se tudo o que se mostrar útil à investigação.

Importante é também que se estabeleça, sem qualquer hesitação, a prioridade destes processos, ao mesmo tempo que se deve investir na prevenção e na formação, criando programas para o efeito.

O símbolo escolhido pelas organizações que se dedicam à questão das crianças desaparecidas é a flor do miosótis que na versão em inglês significa “Não me esqueças”.

O Dia 25 de Maio foi instituído justamente para que estas crianças nunca sejam esquecidas.

É o que faremos!

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