As crianças retiradas aos pais e o princípio do contraditório

Já tinha pensado escrever sobre a proteção das crianças e a legitimidade da intervenção do Estado a propósito do caso da mãe Liliana Melo, a quem foram retirados sete filhos no âmbito de um processo de proteção.

No entanto, além de haver uma tendência natural para falar de temas que, apesar de tudo, merecem mais consenso, há sempre uma limitação estatutária que decorre do facto de se tratar de casos ainda pendentes, pelo que embora não pretenda falar deles em concreto, visto que isso é sempre tarefa impossível, por desconhecer os meandros do caso, o certo é que me imponho uma quase inibição que resulta, sobretudo, da delicadeza dos assuntos em causa…

Creio mesmo que este será o tema mais delicado e complexo, quando se fala de proteção: Quando é que uma criança tem de ser retirada aos pais para a proteger?

Na última semana, senti-me interpelada por um conjunto de notícias sobre as cinco crianças retiradas aos pais no Reino Unido, e achei que não deveria adiar mais esta minha vontade de escrever sobre este assunto incómodo.

Não temos elementos sobre as causas concretas que determinaram o Tribunal, mas é seguro que também no nosso País, ou noutro qualquer País Europeu, por vezes há situações em que os pais se opõem à retirada, outras vezes aceitam-na e só vêm declarar oposição mais tarde, quando são citados para a ação de adoção.

Ora bem, poderemos dizer que existe uma certa unanimidade sobre as causas da intervenção do Estado.

Em Portugal, como no Reino Unido, França, Espanha, Itália, Suécia ou Suíça, há causas comuns que resultam do que atualmente consideramos inadmissível relativamente à segurança, educação e bem-estar de uma criança.

Assim, haverá violação dos deveres parentais quando são maltratadas, abusadas, quando são deixadas sozinhas por largos períodos, quando não lhes são dedicados cuidados essenciais. Mas, quando se conclui, após uma série de diligências, que as crianças correm sério risco no que respeita essencialmente à sua saúde e segurança e que há perigo de lesão de direitos fundamentais também pode ser legítima a intervenção do Estado na Família.

Há hoje uma quase geral unanimidade, pelo menos na Europa sobre o que é absolutamente contrário à dignidade humana e há também um conjunto de procedimentos que são aceites pela comunidade jurídica internacional, em especial a europeia e que passa pelo respeito do princípio do contraditório e ainda pela ideia de que jamais deverá retirar-se uma criança a uma família apenas por ser pobre.

Sabemos que nos casos de pobreza extrema há por vezes outras circunstâncias, associadas por exemplo, a consumos excessivos, que conduzem a ausência de disciplina, a hábitos deficitários relacionados com as rotinas das crianças, designadamente de frequência de estabelecimentos de educação e assistência, e que as crianças começam a exibir falta de vestuário adequado à época, problemas de higiene, magreza, e doenças como a anemia, ou doenças de pele, que geralmente revelam menos cuidado.

Nestes casos, em que a pobreza está presente, mas há também negligência grave, há mais dificuldade no consenso sobre a intervenção. Por isso, em teoria, procura-se sempre ajudar antes de exigir, pois a primeira medida de proteção é a de apoio à família. Outra regra é de que deve ser-lhe dado um prazo razoável para demonstrar vontade de mudança. O acompanhamento é realizado pelos serviços de segurança social ou por outras entidades não judiciárias, no nosso país pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, que só devem comunicar a situação ao Tribunal quando não há consentimento dos pais para a intervenção ou quando estes não cumprem sistematicamente as orientações dessas entidades.

Em suma, há crianças a sofrer muito e grande parte delas nem sequer são capazes de denunciar as violências de que são vítimas. Nos casos mais graves, é urgente retirar as crianças para garantir a sua integridade física. Aqui, pode haver necessidade de agir sem decisão judicial. No dia seguinte, o MP propõe a ação e o Juiz validará o procedimento de urgência, designando dia para ouvir os pais. Estas são as ideias gerais. Podem alterar-se algumas providências, mas a essência é esta.

Durante os anos em que exerci funções no Tribunal de Menores de Lisboa, tive casos muito sérios de violação de direitos. Crianças queimadas, mutiladas, agredidas diariamente com objetos que causavam enorme dor, crianças violadas, crianças doentes, sem assistência, crianças amarradas, sequestradas, escondidas, a viver no meio de dejetos, sem direito à dignidade. Alguns destes pais tentavam justificar as suas ações. Mas nada poderia haver que justificasse as crueldades e o tratamento desumano.

Por isso, sempre que há notícias tão perentórias, acho que manda a prudência que nos acautelemos nas apreciações. Não significa isto que não possa haver erros, que são inerentes à condição humana.

Ainda hoje recordo casos de intervenção abusiva, de verdadeira intrusão, mas esses foram casos excecionais, que com atenção e rigor, a maioria das vezes acabam por ser detetados. Houve, decerto, situações em que as crianças e as famílias foram vítimas de tais atuações abusivas. Eu própria já contei um caso desses, na Edição especial da Visão, em Novembro, de que só recentemente tive notícia. Tratou-se de um caso dramático, que jamais imaginei que tivesse tido aquele desfecho.

No Reino Unido, decerto haverá erros também, mas custa-me acreditar que num Estado com uma democracia tão consolidada, os pais não tivessem tido oportunidade de contestar, de impugnar as acusações.

O princípio do contraditório é um dos mais fortes pilares em que assenta qualquer sistema de direito democrático.

Outro procedimento que atualmente é reconhecido como essencial é a audição da criança. Cada vez mais se entende imprescindível o respeito por esse direito fundamental da criança e por isso se me afigura muito estranho que tenha sido omitida essa diligência. Mas há algo que entendo injustificável e que no nosso País também sucede com frequência e que é a separação dos irmãos. Não consigo conformar-me com esta prática tão lesiva da estabilidade emocional das crianças.

Todavia, há algo que quero mencionar, pois, a propósito deste caso, algumas pessoas têm procurado até pôr em causa a adoção, incapazes de a verem como um instituto de proteção à criança violentada pelos pais.

Uma ideia deverá ficar absolutamente clara: Nos casos de crianças retiradas aos pais, a adoção só será solução se ficar provada a rutura dos laços afetivos próprios da filiação.

Ou seja, as relações de afeto devem ser sempre determinantes.

Mas vemos que alguns continuam teimosamente a querer reduzir o âmbito da adoção aos casos dos órfãos. Prefeririam talvez que ela não existisse, como no tempo da Ditadura, que durante muito tempo a esconjurou como o tinha feito o Visconde de Seabra, e que quando permitiu que fosse reintroduzida no Código Civil, em 1966, ficou limitada aos órfãos e aos meninos filhos de pais incógnitos.

Espero que em breve possamos ver inteiramente esclarecida a situação dos cinco irmãos, ciente de que os Países da União, de que o Reino Unido faz parte não deixarão de ter em conta a Recomendação do Conselho da União Europeia de Fevereiro de 2013 sobre as Crianças, em que expressamente se diz que não é aceitável retirar uma criança à sua família apenas por ser pobre. Há cada vez mais pobres no nosso País. Imaginam maior violência? Poderá haver decisões difíceis de entender, mas isso seria uma clamorosa injustiça.

É por tudo isto que acho que deveriam fazer-se esclarecimentos públicos sobre estas situações. A nível institucional. As famílias e as crianças exigem rigor e transparência nos procedimentos e não pode haver dúvidas sobre o essencial, sob pena de a incerteza conduzir a inquietação inadmissível e insuportável que a dignidade da pessoa humana não consente.

Um comentário sobre “As crianças retiradas aos pais e o princípio do contraditório

  1. preciso de ajuda nao sei mais o k fazer e onde ir th um neto k foi retirado do meu filho e foi para a ajuda de berço dadopelo tribunal para adoçao …eu posso e quero ficar com o meu bebe mas ninguem nunca falou comigo nem me dao a chance de o fazer ….ajudem me por favor nao sabemos nada dele desde k foi dada a sentença .. no tribunal perguntei as senhoras da ajuda de berço como ele estava e elas disseram k a sofrer muito por nao nos ver ….ajudem me por favor a poder fazer alguma coisa

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