Os Abusos Sexuais, a violência doméstica e a SAP

Ontem, partilhei um vídeo chocante de uma mãe desesperada, que foi separada de seu filho por decisão judicial.

Depois, lembrei-me de todas as mães que nos últimos anos ouvi e que se sentem destroçadas porque foram implícita ou explicitamente ameaçadas com a mudança de guarda ou com a colocação institucional das crianças que procuravam proteger.

São casos muito desconcertantes porque se tratou, invariavelmente, de situações em que na origem das intimidações, estão as recusas das visitas pelas crianças a seus pais.

As mais pequenas, após insistência das mães ou terapia adequada, acabam por revelar terem sido vítimas de abuso sexual e as mais velhas, que persistem na recusa, contam histórias de violência, sofrida por elas próprias, ou por suas mães…

Já por diversas ocasiões escrevi sobre este flagelo que não consigo aceitar.

Ao reflectir sobre este fenómeno, entendo que também ele é consequência da enorme desigualdade de poder entre os homens e as mulheres.

Todas as investigações efectuadas nas últimas décadas revelam a assombrosa percentagem de mulheres vítimas de violência. Na véspera do Dia Internacional da Mulher foi justamente divulgado o resultado de um estudo europeu, levado a cabo em todos os Países da União cujos resultados confirmaram mais uma vez os números assustadores da violência, designadamente a sexual, que vêm contribuindo para um mal-estar que, se estivermos atentos e preocupados, sentimos mesmo e que não pode deixar de nos incomodar.

Portugal, obviamente, não é excepção. Lembro-me bem das monumentais tareias que algumas das minhas vizinhas apanhavam. E depois, quer em Setúbal, em Almada ou em Lisboa, das mulheres que me entravam pelo gabinete dentro, todas feridas, cheias de nódoas negras, com as caras inchadas, algumas sem dentes, com os ossos do nariz ou das mãos partidos e recordo uma cega de ambos os olhos, a quem o marido tinha espetado garfos. Mas houve uma mulher que depois foi para Cabo-Verde, a quem o marido atirou de um primeiro andar que foi a que mais empatia me causou. O agressor, como viu que ela não morrera, foi junto dela, caída no chão tentar tirar-lhe a vida, esfaqueou-a no abdómen e antes de fugir, disseram três testemunhas que acorreram aos gritos de dor da vítima, com a faca que empunhava, cortou-lhe os grandes lábios. A pobre sobreviveu, mas ficou paraplégica e quando a vi, conduzida por uma irmã, disse-me que ele era o diabo em pessoa e que só percebeu isso tarde demais.

Em Portugal, desde que se fazem estatísticas, a média dos homicídios é de quarenta por ano! Tive casos de homicídios de mulheres que toda a vida sofreram horrores e que jamais esquecerei, e sei bem que os grandes agressores não deixarão nunca as suas vítimas em paz.

Quando em 1998 elaborava o II Relatório sobre a aplicação da Convenção dos Direitos da Criança, lembro-me de ter visto um estudo da OMS que dizia que a violência interpessoal era o mais grave problema de saúde pública no Mundo. E lembro-me também de ter pensado que essa constatação, que eu sabia não ser convicção das pessoas, me dava mais razões ainda para esta responsabilidade ética que assumi perante mim própria de lutar contra a violência. Tem sido uma verdadeira cruzada, porque as pessoas não querem acreditar que junto delas podem estar vítimas e agressores e descredibilizam os depoimentos das vítimas e das suas testemunhas.

Insistem nos casos, raríssimos, das falsas alegações e querem-nos fazer crer que as mulheres são todas mentirosas e as crianças todas mentecaptas. Como podem não se incomodar com a possibilidade de os pais que são acusados pelos filhos e pelas mães serem, de facto, agressores?

No caso das crianças, isso é, na verdade, uma tragédia, porque se sentem duplamente vítimas, para já não mencionar que as suas mães se sentem inteiramente sozinhas.

Hoje foi divulgado mais um Relatório de Segurança Interna e, mais uma vez, o crime de abuso sexual de crianças aparece com aumento.

Como não?

Tenho para mim que, nos Tribunais de Família, a chamada “síndroma da alienação parental” é a mais pérfida mentira do nosso tempo.

Concebida por um indivíduo que não deveria merecer qualquer crédito, defensor de pedófilos e de agressores, tem conseguido granjear influência nos tribunais da América Latina e na nossa Península Ibérica. Foi há muito tempo que me falaram dele com autêntica veneração. Gardner  viria a suicidar-se algum tempo depois, na sequência do suicídio de dois adolescentes que foram entregues ao pai abusador devido a um parecer por ele subscrito.

No Domingo fui ver o Tartufo, de Molière, que vivamente aconselho. Trata-se de uma peça intemporal, que fala de um indivíduo melífluo, muito sedutor, que consegue burlar um fidalgo, que quase viu destruída a sua fortuna e a sua família.

Sempre houve indivíduos assim.

O problema é que enquanto não são desmascarados, provocam muito sofrimento e quando há vítimas crianças, por vezes só depois de deixarem de ser crianças conseguem revelar.

Quem diria que no ano em que a Convenção da Criança faz 25 anos, teria de continuar a falar não apenas do direito da Criança a ser ouvida, mas também da valorização dos seus depoimentos, condenando o diminuto valor da sua palavra?

O vídeo de que vos falei é precioso. Esta mãe Argentina representa efectivamente muitas das mães que tenho ouvido nos últimos anos.

Podem vê-lo aqui:

 

 

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