IAC recebido no Parlamento

Hoje, 2 de Abril, a nossa Constituição da República faz 37 anos.

É motivo de orgulho para todos nós, pois contém normas cuja aplicação tornou o nosso País mais justo.

Começa por proclamar que a República Portuguesa se funda na Dignidade da pessoa humana, consagra o princípio da Igualdade e reconhece direitos fundamentais relevantíssimos como a Integridade pessoal e a Liberdade.

Na Constituição anterior, de 1933, o princípio da Igualdade era logo subvertido, mutilado porque se permitia excepcioná-lo relativamente às mulheres, caso se considerasse que por causa da sua natureza, assim deveria suceder! Era assim que o próprio texto constitucional consagrava a discriminação entre os sexos, o que, segundo o Prof. Jorge Miranda, só acontecia com a Constituição do Irão. As mulheres durante muito tempo não puderam votar, não tinham acesso ao ensino superior, não podiam ser magistradas, diplomatas…

Quando entrei na Faculdade de Direito, havia apenas uma Professora, Isabel Magalhães Colaço, que já depois do 25 de Abril, me contou diversos episódios que revelavam as sucessivas discriminações que sentiu, apesar do seu valor e do seu talento.

Actualmente, a nossa Lei Fundamental estabelece a proibição de toda e qualquer discriminação em razão do sexo, idade, religião, nascimento, raça, condição social ou orientação sexual.

Foi um dia marcante porque justamente hoje a direcção do Instituto de Apoio à Criança foi recebida na Subcomissão da Igualdade da Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República…

A sessão foi presidida pela Srª Deputada Elza Pais e o IAC teve oportunidade de expôr, não apenas as suas actividades como algumas das preocupações que sente neste momento tão difícil em que a crise económica e financeira tem conduzido a um aumento considerável da pobreza infantil, como recentemente reconheceu o Eurostat.

Foi com satisfação que tive oportunidade de constatar que as nossas Deputadas e Deputado presentes tinham preparado de forma profunda a Audição com o IAC. Colocaram questões muito pertinentes e mostraram muito interesse nestas matérias.

Devido ao adiantado da hora o IAC irá fazer chegar algumas propostas por escrito.

Mas quero aqui mencionar os nomes de todos porque a sua presença honrou-nos muito: Paula Cardoso, Mónica Ferro, Teresa Leal Coelho e Margarida Almeida do PSD, Maria de Belém Roseira, Elza Pais, Isabel Moreira e Pedro Alves do PS, Teresa Anjinho e Teresa Caeiro do CDS e Rita Rato do PCP.

Obrigada a todas as Ilustres Deputadas e ao Deputado Pedro Alves pelo caloroso acolhimento.

Entretanto, como fiz ontem um artigo para a Visão Solidária que procura abordar alguns dos temas que mais nos preocupam, designadamente a pobreza infantil, a discriminação e a exploração sexual e não houve espaço para ficar o artigo completo, irei colocá-lo aqui:

A Pobreza Infantil, a Discriminação e a Dignidade Humana

Abril chegou e apesar de querermos que nos traga a esperança, as notícias não são animadoras. De acordo com o Eurostat, em Portugal as crianças em risco de pobreza atingiam já em 2012 o número preocupante de quase 30%. Claro que o aumento exponencial do desemprego, nos leva a concluir há muito que a pobreza infantil está em crescendo, não apenas entre nós, mas em toda a Europa. A Cáritas, as Instituições de Solidariedade, as Autarquias têm chamado a atenção para os dramas do empobrecimento  provocado pela austeridade, mas os números, esses, têm de vir de instâncias com recursos de ciência, que saibam medir o nível de privação e analisar os dados estatísticos. E vieram. Primeiro pelo trabalho dos investigadores como a Prof. Amélia Bastos ou o Prof. Carlos Farinha Rodrigues. E agora tiveram maior publicidade por se tratar de um organismo europeu. E são mesmo aflitivos, porque significam que, no nosso País, mais de seiscentas mil crianças vivem em famílias com um tal nível de carência que não dispõem das condições necessárias ao seu desenvolvimento sem ajuda de terceiros.

Outra notícia inquietante foi-nos trazida pelo Relatório Anual de Segurança Interna: cerca de metade dos crimes sexuais participados referem-se a crimes praticados contra crianças.

Não temos elementos comparativos que nos permitam saber se houve mais casos este ano em Portugal. O que sabemos é que o abuso sexual de crianças é um fenómeno que tem uma dimensão crescente em todo o mundo, que os predadores sexuais utilizam cada vez mais as novas tecnologias para difundir as suas mensagens perversas e que os sites de pornografia infantil não param de aumentar. Em suma, continua a haver muito mais crimes desta natureza do que seria imaginável há poucos anos atrás, e, apesar das múltiplas medidas tomadas, não estamos a conseguir combater com eficácia esta verdadeira pandemia que tanto sofrimento causa e que rouba a infância e a adolescência a tantas crianças e jovens.

Em Dezembro de 2012, entrou em vigor no nosso País a Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais que preconiza um conjunto de medidas relevantes, designadamente no âmbito da sensibilização e da formação dos profissionais e que tardam a ser postas em prática.

Li recentemente o livro de Sabine Dardenne, publicado em 2004, quando já tinham passado oito anos sobre o rapto e o sequestro perpetrados pelo pedófilo Marc Dutroux, quando tinha apenas doze anos. Sabine foi uma das duas sobreviventes e refere que o seu objetivo foi justamente no sentido de sensibilizar quem julga para que não sucedam erros como os que conduziram à libertação de Dutroux, quando lhe foi concedida liberdade condicional após ter cometido crimes de violação. Sabine  relata de forma pungente como se consumou o rapto, o terror que se seguiu à surpresa e que permaneceu até ao dia em que foi libertada, o profundo sofrimento, mas também a sua resistência naquela cave imunda durante 80 dias e 80 noites, como faz questão de enfatizar. Com extraordinária clareza e precisão, conta-nos os métodos utilizados pelo violador para lhe fazer crer que os pais se haviam resignado com o seu desaparecimento, e que, por isso, tinham deixado de a procurar, mantendo apenas o silêncio sobre as sevícias, que considera deverem permanecer na sua esfera privada.

Ao ler o livro, confirmei mais uma vez que há comportamentos muito semelhantes e que se repetem em todos os lugares e em todas as épocas. Os abusadores de crianças procuram sempre desvalorizá-las, dizem-lhes que não valem nada e que só eles se interessam por elas, ou então despersonalizam-nas, reduzindo-as à mínima condição humana, negando-lhes qualquer direito, como se fossem meros objetos.

Durante a minha vida profissional, assisti a muitas declarações de violadores de 40 ou 50 anos que negaram sempre os seus atos, mesmo quando eram apanhados em flagrante, e que atribuíam às vítimas de oito ou nove anos os comportamentos de sedução que eles utilizavam. E ontem, domingo de Páscoa, ao visionar um filme-documentário sobre violência e abusos sexuais em África, lá estava um predador sexual a utilizar o mesmíssimo argumento, dizendo que a criança, de apenas oito anos, a quem vendara os olhos e prendera as mãos e os pés, e a quem causara sérias lesões e se tinha esvaído em sangue e que por isso tinha recebido internamento hospitalar, é que o tinha desafiado a ter relações sexuais. E pensei que, se até eu, que tantas meninas ouvi e tantos livros li, me surpreendi com o desplante da desculpa esfarrapada, talvez fizesse sentido falar dela, da desculpa…

É que, provavelmente, se continua a ser utilizada, é porque ainda será, por vezes, aceite, em muitos lugares do nosso mundo, efeito que se agrava quando os procedimentos judiciários se arrastam no tempo, sem respeito pelas crianças e, em particular, se os julgamentos ocorrem já depois de terem atingido a idade adulta. E quando as vítimas são meninas, o que é mais frequente, todos os estereótipos da mulher feita demónio que se oferece ao homem incapaz de resistir, surgem nas mentes de alguns julgadores. Quantas vezes os ouvi a dizerem-me “Doutora, não seja ingénua, estas miúdas são muito sabidas, sabem mais do que nós”. E que revolta sentia e que vontade de um dia dizer alto que não me revi nunca em tais pensamentos e que nunca concordei com tais ofensas que conduziram às mais tamanhas injustiças!

É minha profunda convicção que tudo isto, as desculpas, os pretextos e os comentários significam a menorização da criança enquanto ser humano e das meninas em particular. Elas representam para esses criminosos um quase-nada, despojam-nas da dignidade humana, arrogando-se o direito de obter prazer sexual com crianças, completamente indiferentes ao seu desenvolvimento e aos seus sentimentos.

Aliás, a nossa Lei Penal, a nível conceptual, continua, de alguma forma, a tratar as crianças como vítimas adultas, enquanto o bem jurídico protegido pela norma, na previsão do abuso sexual de criança continuar a ser a liberdade de determinação sexual, como se essa fosse a ofensa mais relevante feita a uma criança de três ou mesmo de dez anos, num crime de abuso sexual. O que está a ser espezinhada é a dignidade, que é o direito mais valioso da pessoa humana! O que é violentado numa criança é o direito à sua integridade pessoal e ao seu  desenvolvimento integral.

Mas uma coisa tenho para mim como inteiramente clara: se bem repararmos, a discriminação, seja em função da idade, da raça, ou do sexo, tem sempre a mesma ideia originária. Há umas pessoas que se arrogam direitos que não reconhecem aos outros.

Fazem-me lembrar aqueles que no tempo em que a escravatura era legal, achavam que as escravas não amavam os seus filhos como as brancas. Mais tarde aconteceu na Austrália, quando as senhoras inglesas começaram a roubar os filhos das nativas.

Os agressores acham-se donos da vida dos outros, mais vulneráveis, como é óbvio. Senhores que são amos e a quem aqueles que são por eles violentados, devem obediência, sem que lhes reconheçam direitos de qualquer tipo.

Abril é um mês que nos diz muito. Foi em Abril que veio a liberdade e para os Ativistas dos Direitos da Criança é um mês em que assinalamos a importância da Prevenção dos maus tratos na infância. Como Abril está quase a chegar e a Primavera parece ter medo de impor-se, lembrei-me de invocar aqui esta responsabilidade que alguns de nós decidimos assumir de falar de temas difíceis. Sei que as imposições de restrição da Tróika, o empobrecimento, a crise, apelam a que mantenhamos algum conforto nas nossas vidas e muitas vezes queremos ignorar estas tragédias humanas.

Mas como o Sol anda escondido há demasiados meses, achei que a poesia ficaria ainda mais triste se não falasse. Como dizia Sebastião da Gama “temos de cumprir o nosso destino de não ficarmos parados”.

Um comentário sobre “IAC recebido no Parlamento

  1. Boa noite,

    Sou mae de uma criança com sindrome de willimas que tem 14 anos e feliz.Acontece que trabalho tempo inteiro quando chego a casa sou eu que lhe dou a materia .Depois faço meu trabalhos .domesticos.Na escola tem sucesso porque tem uma força de vontade de aprender incrivil consegue tirar melhores notas dos ditos normais.Pergunto como eu tantas maes que estam so.Que tal os desempregados deslocarem-se as camaras ou juntas de freguesia prestarem servico a idosos e crianças e o restante do tempo procurarem trabalho…Quando vai exsistir alguem que pense nos pais das criancas especias que tambem sao pessoas.Existem exclusoes como e evidente em todos os sectores de atividades.Como e possivel pagar para nao trabalhar.Aumenta desta forma os niveis de depressao.
    Mas como cidada Livre tenho esperanca e Fe que um dia tudo muda.
    Peco desculpa pelos erros, visto que teclado do meu computador nao funciona, nem sempre possibilidade de comprar outro.
    Com todo respeito e consideracao o meu unico objectivo e manifestar-me de uma forma construtiva.
    Bem Haja,
    Pela vossa atencao

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