A Grécia, a Europa, e as recomendações da Comissão Europeia

Foi com satisfação que soube de dois prémios literários atribuídos à escritora Hélia Correia. Confesso que apenas tinha lido dois dos seus livros, “Adoecer” e a maravilha que começa quando Lillias Fraser ainda era criança e termina, depois das mais extraordinárias aventuras pela Escócia e por Portugal no tempo do terramoto de 1755, com o seu encontro fantástico com Blimunda Sete-Luas que viu dentro dela uma criança.  Gostei muito desta obra, e claro que fui logo comprar a “Terceira Miséria”, que primeiro devorei, fascinada, e depois reli com mais calma para saborear melhor toda a cadência do poema, que não mais parou de cantar dentro de mim.

As palavras são assim, fortes, poderosas, mas claro que os poetas são capazes de dizer tudo de uma forma mais tocante, e também mais esclarecida e, naquele poema, comovemo-nos quando lemos como elas, as palavras, exprimem pensamentos que são “armas que estão dentro do corpo”.

 

 “Estão as praças,

Como ágoras de outrora, estonteadas

Pela concentração dos organismos,

Pelo uso da palavra, a fervilhante

Palavra própria da democracia,

Essa que dá a volta e ilumina

O que, por um instante, a empunhou”.

Hélia Correia

In “A terceira miséria”

 

Durante todo o poema, não senti apenas a Grécia e o seu legado, mas foi toda a ideia de uma Europa em dívida para com ela, que perpassou.

Do Grupo de Peritos que integro, faz parte também um Professor grego, e quando o ouço falar das dificuldades do seu País, quantas vezes me tenho identificado com as suas preocupações! E não consigo deixar de me lembrar de tudo quanto a Grécia representou em termos de pensamento, de criatividade, berço da filosofia, da poesia, do teatro, da estética e da ética. Como a democracia lhe deve tanto e como por vezes nos esquecemos de que afinal houve tantos conceitos e valores que nasceram lá!

O certo é que, também tenho procurado usar a palavra, agora que a democracia nos veio enfim permitir expressar o nosso pensamento…

A propósito e por ocasião dos 25 anos da TSF, num Fórum em que se falou da crise e da democracia, houve comentários muito interessantes sobre o papel da comunicação social, mas achei particularmente lúcido o de Pedro Marques Lopes, que chamou a atenção para o facto de as pessoas associarem “democracia” a “bem-estar”, lembrando que na década de 60 houve crescimento, sem que uma grande parte da população tivesse obtido melhores condições de vida, visto que não havia distribuição equitativa.

O modelo social Europeu é sinónimo desse ideal de justiça social, baseado na dignidade da pessoa humana e no respeito pelos direitos fundamentais, que determinou a atribuição do Prémio Nobel da Paz à União Europeia.

A enorme crise económica e financeira na Europa tem ensombrado esse virtuoso Projeto de Paz e Desenvolvimento que fez do velho continente um espaço de Paz, onde os Direitos são, em geral, respeitados e onde as Liberdades são, em geral, reconhecidas.

Na semana passada, a Comissão Europeia aprovou um conjunto de recomendações a que chamou “Pacote sobre Investimento social, Crescimento e Coesão” que lamento tenha passado despercebido no nosso País, pois se me afigura de grande justeza. São documentos extensos, muito bem preparados, que tiveram contributos de Peritos, a maior parte Professores Universitários, e que versam sobre um conjunto vasto de matérias muito atuais e que, pela primeira vez, têm merecido da União Europeia uma preocupação expressa de uma forma persistente. Desde a questão da promoção do investimento nas crianças à demografia, desde a saúde à educação, desde a inclusão activa aos serviços de apoio social, numerosos assuntos são tratados, solicitando-se ao Parlamento Europeu a aprovação de oito recomendações aos Estados-Membros.

Sei que o Comissário Lazlo Andor e o próprio Presidente Durão Barroso se empenharam  na sua aprovação  e não fora a situação da crise, o memorando, o programa de ajustamento, a assistência financeira e a avaliação da troika, decerto teriam merecido os maiores elogios.  Tenho esperança que venham a revelar-se importantes, porquanto preconizam a adoção de medidas e até a definição de prioridades, que acompanho, e em que de alguma forma participei.

As recomendações respeitam todas às chamadas áreas sociais e reconhecem os princípios em que se fundou a construção da União.

A que se refere ao Investimento nas crianças salienta precisamente que “a atual crise financeira e económica está a ter um sério impacto nas crianças e nas famílias, com o crescimento proporcional dos que vivem na pobreza e na exclusão” e que “os esforços de consolidação orçamental devido ao crescimento dos constrangimentos fiscais num certo número de Países representam significativos desafios para assegurar que as políticas sociais permanecem adequadas e efectivas no curto como no longo prazo”.

Este pacote pretende dar orientações sobre uma série de matérias, mas a que se refere às crianças fala na necessidade de quebrar o ciclo das desvantagens, por forma a prevenir e a combater a pobreza infantil e a exclusão social. Promover o bem-estar das crianças é prioritário. É essa também a palavra de ordem da Cáritas Portuguesa. Eugénio Fonseca anunciou no Centro Cultural de Belém há três semanas uma campanha justamente com esse apelo: Prioridade às Crianças!

Os documentos  internacionais são instrumentos importantes que comprometem os Estados.  Assim, apesar de toda a revolta que possamos sentir pelos cortes brutais nos nossos rendimentos, creio que não sairão favorecidas as nossas preocupações com o bem-estar social se não utilizarmos os meios de que dispomos para divulgar documentos que consideramos adequados.    É por isso que decidi divulgá-los aqui.

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